***RUI BARBOSA***

***RUI BARBOSA***
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto." (Senado Federal, RJ. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3, 1914, p. 86)
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terça-feira, 8 de setembro de 2015

O TEMPO DO CONSERTO



"Incompetência e obtusidade de quem não admite que errou, que é hora de parar, de falar, de consertar o que ainda não está perdido, mantêm esse ritmo de queda veloz. Afundamos cada dia mais."


                                                             Lya Luft                        (Foto:fliporto.net)

Quando venho ao computador escrever esta coluna, trago comigo o tema já pensado. Muitas vezes, porém, quando começo a refletir, tenho a impressão de que me repito, de que nós todos nos repetimos, incansavelmente nestes últimos tempos, descrevendo as insanidades que não param. Frases sem sentido, afirmações loucas, brigas despudoradas e despudoradas deslealdades, tudo com uma naturalidade assustadora. Quando me contaram a historinha real do assaltante que levou de uma conhecida todos os pertences e o carro, e lhe apalpou o peito — dizendo, quando ela instintivamente se encolheu: "É pra ver se tu tem arma, dona, não te preocupa que a gente tem ética" —, lembrei dos tempos que correm.

Lembrei de nós, o país, o povo e as lideranças: ainda há, nesse palco vergonhoso, quem use o termo "ética"? Penso que sim, pois falta de ética implica o uso despudorado da palavra. Ninguém parece entender nada. Somos uma nau sem rumo, sem comandante, pobre Titanic sem majestade, mas com gente ajeitando a cadeira no convés para observar o espetáculo, e muitos nas margens (pode ser mar, rio ou poço o lugar do afundamento, tanto faz), apostando: "Agora vai! Ainda não vai! Vai de proa primeiro! Aquele vai cair da amurada! Outro subiu no mastro pra espiar a melhor salvação! Um deles subiu para de lá cuspir nos de baixo!".

O cansaço vai nos abatendo, já não torcemos pelo mocinho, nem acreditamos em mocinho. Alguém disse recentemente que nesse faroeste "são todos bandidos". Feito uma bactéria ou vírus, tudo isso nos deixa atordoados e quase sem reação. A reação, bonita, vem nas ruas, onde se mostra a alma do povo que vai deixando de ser bobo. Reconhecemos quem nos meteu nesse fantástico embrulho de uma dívida que não contraímos, responsabilidade de quem deveria nos liderar. Porém, incompetência e obtusidade de quem não admite que errou, que é hora de parar, de falar, de consertar o que ainda não está perdido, mantêm esse ritmo de queda veloz.

Afundamos cada dia mais. Cada dia notícias mais incríveis (agora, parece, o Planalto culpa o ministro Joaquim Levy pelo quase total descrédito do governo). Cada manhã acordo pensando que algo terá mudado. Cada manhã vejo jornais e TV esperando que algo gravíssimo, mas positivo, tenha ocorrido. Teremos de novo esperança de salvar o pobre Titanic brasileiro, e nós todos com ele. Cada manhã tenho de reconhecer que na essência nada mudou; apenas novas maluquices, trapalhadas e traições, rasteiras, invenções, reafirmações insanas ilustram nosso novo dia.

Parece que a Bolívia avisou que vai invadir o Brasil se a presidente cair; parece que não há nenhum líder possível à vista, pois o número de rabos enrolados se multiplica, e como é que a gente não sabia? Ou adivinhava algumas coisas, mas deixava pra lá? Personagens importantes e importantíssimas na vida pública e privada, que nos inspiravam, quem sabe, faziam suas tramoias pelas quais hoje o país e cada um de nós pagam alheios pecados mortais.

Sobem os impostos, mas cai a precária qualidade de vida. Sobem as dívidas: o Itamaraty deve fortunas no exterior, por extravagâncias em viagens oficiais; falta papel higiênico nas embaixadas, falta dinheiro de moradia, estudo, alimentação — ou passagem de volta para casa a estudantes para lá enviados com grande alarde e entusiasmo, mas bases furadas — e aqui no Brasil desisto de comentar a pobreza que se espalha, a ruína material e intelectual da nossa educação, das universidades às creches, a agonia da saúde dos postos aos hospitais, e a inexistente sesurança... Já tivemos isso um dia? Gomo era mesmo quando a gente podia sair às ruas em paz?

Enquanto desemprego e pobreza se multiplicam, o Senado dá um aumento de 41% ao Ministério Público, e o Planalto dá 500 milhões de reais à sua base aliada no Congresso. Que a lei e alguns homens honrados nos livrem desses vexames, e que preservemos, senão o otimismo, o teto sobre a cabeça, o feijão no prato e, com muita sorte, o filho na escola. Que seja logo. Está passando o tempo dos consertos.

 LYA LUFT - 29/08/2015 20:01:00 

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