***RUI BARBOSA***

***RUI BARBOSA***
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto." (Senado Federal, RJ. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3, 1914, p. 86)
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quinta-feira, 20 de junho de 2013

sábado, 15 de junho de 2013

RUA PADRE MANOEL DOS ANJOS - Uma Releitura da História de Resende


Rua Padre Manoel dos Anjos esquina com a Rua do Rosário - 14/06/2013


                É recorrente para quem pesquisa história, começar uma busca e se deparar com detalhes que nada tem a ver com o que se quer saber. E foi assim, pesquisando não sei nem mais o que, que observei um detalhe interessante sobre o padre mencionado no título deste texto, e (embora surpreso) tive a certeza de que tivemos dois padres com idades e nomes  assemelhados, mas que ficou registrado errônea e injustamente na história que se ensina e se publica, como apenas um, que recebe as homenagens que devem ser prestadas a outro. Senão vejamos:

1- Padre Manuel Seraphim dos Anjos (Prestou serviços em Resende entre 1807 e 1819):
Segundo Itamar Bopp em seu livro de 1973 (Notas Genealógicas de Vigários e Padres na Paróquia de Resende, Casamentos de 501 a 602 e 701), esse padre nasceu na Vila de Sorocaba,  e foi batizado em 1765, e seria ele o padre homenageado com o nome da rua no bairro Lavapés. Foi esse cidadão ordenado padre em 26/04/1787, aos 22 anos ou em 1796 (31 anos). Mas, curiosamente, o genealogista não faz neste seu livro nenhuma referência à fundação da Santa Casa de Resende (outrora Casa de Misericórdia) por este padre. Diz apenas que: “...cuja lembrança se eterniza em inequívocas demonstrações do seu valor...”  (pag.37) e que “...devia ser muito querido das famílias importantes da época ...” pois realizou os casamentos do Comendador Bento de Azevedo Maia[¹] e outras figuras de destaque na época (Bento Maia se casou em 11/06/1808). De fato, encontrei diversos registros de casamentos e batizados realizados por esse padre em outro livro do mesmo autor, editado pelo Instituto Genealógico Brasileiro em 1971 (Casamentos na Matriz de Resende – 300 a 500), mas nenhuma referência ao trabalho dele junto à Santa Casa de Misericórdia Resende, fundada em 1835; quando Manuel Seraphim dos Anjos já estaria com 70 anos completos, considerando-se ter nascido no ano de seu batismo, 1765. Itamar Bopp também não faz referência no primeiro livro acima citado, sobre a cor e como vivia esse Manoel dos Anjos, mas dá grande destaque para o bairro Lavapés e a rua em questão.
Acho no mínimo estranho a falta dessas informações no livro de um genealogista cuidadoso e minucioso como era Itamar Bopp, pois em fichas de seu arquivo de anotações, existem esses detalhes anotados,  e numa delas, foi riscado (na ficha) o detalhe da cor “preta” (ficha 2252-v) e está anotado ainda que “... nome [da rua] dado pelo povo por residir naquele local o Padre Manoel dos Anjos, preto, que veio de Areas, com fama de construtor e de entendido em construções de Igrejas.” Aí cabe a pergunta: Porque Itamar Bopp omitiu essas informações no seu livro de 1973 se ele as possuía? No mínimo, estranho. Talvez por dúvida, já que na ficha 2394-v ele anotou claramente a relação deste Manuel Seraphim dos Anjos com a fundação da Santa Casa.
Curiosamente, esse padre ministrou os sacramentos somente até por volta de 1819, não tendo batizado o Dr. João Maia, mas suas irmãs Escolástica (1813) e Ana Claudina (1817).
Como o Dr. João Maia nasceu em 1820 e não recebeu os Santos Óleos pelo Padre Manuel Seraphim dos Anjos, deduzo que não o fez porque o mesmo talvez já tivesse sido transferido para outra paróquia. Não encontrei (até aqui) registro do destino final desse padre, nem outros registros de casamentos ou batizados com datas posteriores a 1819[²].

[¹] – Manuel Seraphim dos Anjos estava com 43 anos quando efetuou o casamento do Comendador Bento de Azevedo Maia.
[²] - Registro de um batizado à pag. 102 do livro de 1971 acima mencionado  (Casamentos de 300 a 500) – “Bento – 02-II-1819” – Padrinhos: Comendador Bento de Azevedo Maia e esposa.

2- Padre Manuel dos Anjos Barros (Prestou serviços em Resende entre 1835 e 1840):
Dá-nos notícia, o Dr. João de Azevedo Carneiro Maia, em seu livro “Notícias Históricas e Estatísticas do Município de Rezende Desde a sua Fundação”  (Tipografia da Gazeta de Notícias, 1891. E  2ª edição Prefeitura Municipal de Resende/Conselho de Cultura, 1986, com o título “Do descobrimento do Campo Alegre até a criação da Vila de Resende”), de que esse foi o padre que organizou, administrativamente e de fato fundou a Casa de Misericórdia de Resende em 1835, tendo também criado a Irmandade respectiva. Isso pode ser lido com toda clareza nas páginas 200 a 203 do livro de 1891; e  124/125 do livro reeditado em 1986 (2ª Edição). Conforme se vê ali o padre Manuel dos Anjos Barros, foi convidado para fazer esse trabalho em 1835, e o realizou com sucesso.  Mas o autor não menciona que esse foi o padre que casou seus pais, o Comendador Bento de Azevedo Maia. Não menciona esse detalhe pelo simples fato de que não foi esse o padre que casou seus pais e batizou suas irmãs. Se fosse o mesmo, certamente não teria omitido esse detalhe.
Além disso, o Dr. João Maia detalha que, as notícias biográficas sobre esse sacerdote vêm das “...que ficaram na memória de poucos contemporâneos. Era natural de São João Del Rei, província de Minas Gerais; de cor preta, mas nascimento livre. (...) Depois de ordenar-se, veio para a vila de Areias, não se sabe em que tempo, e de lá para Resende, na época que já referimos. Extremamente pobre, mal trajado, quase descalço, sua abnegação era tal que tudo quanto recebia de suas missas, repartia com os necessitados. (...) “...vindo a falecer em 1840 ou 1841, de uma anasarca, na idade de setenta anos, mais ou menos...”.
Ora, fica patente que são pessoas distintas, de épocas e missões diferentes por nossas terras, pois se se tratasse da mesma pessoa, além da igualdade dos  sobrenomes (dos Anjos), certamente João Maia não deixaria de mencionar isso. E o mais curioso, é que Itamar Bopp sabia desses detalhes (provavelmente tirados do livro de João Maia) mas não os mencionou na pequena biografia que publicou sobre o Manuel Seraphim, a quem dedica (erroneamente, em minha opinião) o nome da rua. Basta ver a ficha de anotações nº 2070 do próprio Bopp (frente e verso) para se ter certeza disso.

Somente a título de informação: Não encontrei no livro do Cel. Alfredo Sodré (Resende Cem Anos de Cidade – Vol. I) e nem no do Bopp com o mesmo título, a anotação de 1873 sobre o nome da rua, que teria sido concedido pela Câmara Municipal.
E é de suma importância observar que o Dr. João Maia conviveu com o padre Manuel dos Anjos Barros, visto que, nascido em 1820; em 1835 (data de criação da Casa de Misericórdia) tinha o mesmo, 15 anos; e um ano depois, com apenas 16 anos, foi para São Paulo cursar direito na prestigiada Faculdade de Direito de São Paulo, conhecida também como a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, fundada em 11 de agosto de 1827 por Lei Imperial . Dotado de precoce sapiência, dedicação aos estudos e memória extraordinária, não teria o Dr. João Maia se lembrado do padre que casou seus pais? Aliás, outro detalhe importante é que o próprio Comendador Bento de Azevedo Maia (que se casou em 1808 conforme dito no tópico acima), um dos fundadores da Casa de Misericórdia em 1835 e pai do Dr. João Maia; também foi contemporâneo do Manuel dos Anjos Barros, pois faleceu em 1859, aos 75 anos. Teria esse detalhe passado despercebido pelo autor (e seu pai), caso fosse esse o mesmo padre que casou seus genitores? Evidentemente que não. Não teria o pai comentado com o filho que esse era o mesmo padre que havia realizado o seu casamento em 1808? Evidentemente que sim!  
Pesquisando mais profundamente, encontrei até aqui, a muito custo e paciência, um registro de sacramento ministrado por Manuel dos Anjos Barros. Trata-se do casamento de Leonor de Souza Barros com Antonio Pinto Coelho de Souza Barros, realizado aos 07 de agosto de 1835 (ano da fundação da Casa de Misericórdia), “com provisão do Reverendo Vigário da Vara, Antonio Maria Ribas Sandim”, tendo por testemunhas, o vereador Padre Francisco do Carmo Froês e Domingos Gomes Jardim, os mesmos que, em 04 de abril de 1829 sugeriram a criação da Casa de Misericórdia através de subscrição popular. É um registro importante pois demonstra que o Padre Manuel dos Anjos Barros veio para Resende com a missão única de fundar e organizar a Casa de Misericórdia, e  só podia ministrar sacramentos mediante provisão superior. Por isso é tão difícil encontrar anotações dos atos sacramentais desse padre nos livros de genealogia do Itamar Bopp. Este registro está na pág. 97 (casamento 434, filho 2) do livro de 1971, já mencionado acima (Casamentos de 300 a 500).

Placa afixada na esquina com a Rua do Rosário


E assim, baseado nos documentos acima mencionados, concluí que tivemos dois padres com nomes e idades semelhantes, mas que serviram a Resende em épocas diferentes; e não apenas um Manoel dos Anjos, cujo nome correto seria, nos dois casos, Manuel.
Concluí também que; pela obra de cada um,  a Rua Padre Manoel dos Anjos no bairro Lavapés, homenageia o fundador da Santa Casa e sua Irmandade: MANUEL DOS ANJOS BARROS, o pobre e abnegado padre negro, de São João Del Rei (MG) e não  Manuel Seraphim dos Anjos, de Sorocaba (SP).

Espero que este trabalho de pesquisa seja utilizado para se corrigir um lamentável engano, e que se faça justiça por meio desta verdade histórica, corrigindo-se (via Câmara Municipal de Resende) o nome da rua em questão para Padre Manuel dos Anjos Barros.



Fernando Lemos – 15/06/2013 às 00:26h

(Jornalista e Pesquisador de História)
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