Foto: Fernando Lemos |
Era pra ser apenas uma traquinagem de dois moleques. Mas acho que mudaria a História do Brasil.
Deu-se em 1968, pouco antes da edição do AI-5 (a gente não tinha a menor idéia do que fosse isso). Aliás, aqui em Resende, nós não tínhamos era idéia nenhuma do que acontecia no Brasil da revolução. Éramos uma ilha de tranqüilidade. As notícias nunca nos chegavam aos ouvidos nem aos olhos, já que tudo era censurado.
Seguinte: Eu e o Wanderley estudávamos na Escola Técnica de Comércio Dom Bosco, que funcionava à noite no Grupo Escolar "Olavo Bilac". E os diretores da Escola Técnica eram todos militares da ativa: Cel. Mattos, Cel. Fragoso e outros coronéis que não lembro o nome agora. Pra quem não sabe, o prédio do Grupo Escolar, pertencia a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), e era considerada "área militar". Em frente, os apartamentos dos oficiais menos graduados da AMAN. Tá tudo lá, até hoje. A Escola e o prédio de apartamentos. Só não tinha o túnel, e a pista da Dutra passava em frente à Vila Militar, que distava uns 200 metros da escola. Logo adiante, o Portão Monumental da AMAN.
Estávamos na 3ª série ginasial, e o Wanderley ia ser reprovado. Ia tomar "bomba" na certa. Não tinha mais jeito. Eu ainda tinha chances. E foi a palavra "bomba" que despertou as idéias loucas do meu amigo.
Como evitar a reprovação e não levar uma surra do pai? (Naquele tempo, as surras eram a forma de se corrigir nossos erros). Só tinha uma solução: Eliminar os documentos e provas que ficavam na secretaria da escola. Mas... Como?
Simplesmente, explodindo a secretaria, oras bolas. Fácil, né não?!
O pai dele trabalhava na construção de pontes, e tinha umas bananas de dinamite num barraco no quintal de casa. Tinha também as espoletas e o estopim. E o Wandeerley sabia montar esses explosivos. Pronto!!! Tudo resolvido.
Apresentada a idéia, eu relutei um pouco, mas pra não desagradar o amigo, topei a parada e começamos os preparativos.
Primeiro, a segurança da escola: Zero. Não existia. Passamos uma semana ficando escondidos no banheiro após o término das aulas, e saíamos tranqüilamente por um janelão que se autotrancava por dentro. Ninguém nos via sair pelo lado da Cel. Brasiel (o muro do colégio era alguma coisa de um metro ou um metro e cinqüenta, se tanto). Tudo certo.
Começamos então a calcular o tempo que levaríamos para acender o estopim, sair pelo janelão e atravessar a Ponte Nova, que era o nosso trajeto normal e habitual. E melhor estar do outro lado da ponte quando a coisa estourasse (sabe-se lá o estrago que a explosão faria?). Isso pra se chegar ao tamanho do estopim a ser usado. Tudo calculadinho!
Depois, uma dúvida: Qual a quantidade de dinamite a ser empregada? Eu não tinha qualquer noção do poder de destruição de uma "banana" dessas. .O Wanderley disse que três seriam suficientes, mas depois resolveu dobrar a carga. Usaríamos seis bananas (acho que ele não sabia era nada, também!).
E assim passamos quase um mês preparando tudo. Ele fez umas "bananas" de cartolina enrolada e colocou areia pra ficar no peso certo. E ainda arrumou uma cordinha do tamanho do estopim que seria usado na "operação". E entrávamos e saíamos do colégio com aquelas coisas em nossas pastas, sem o menor problema.
Marcamos então a data pra coisa acontecer: Seria numa quinta-feira de outubro. Tudo mais que certo e mais que calculado. E eu já estava começando a ficar com medo da coisa acontecer mesmo.
Aí, entra o inesperado: O pai dele pega uma obra pra tocar em Minas Gerais e leva a nossa "munição"!!!
Dei graças a Deus por isso ter acontecido. Juro! Estava me borrando de medo, pois acho que o doido do Wanderley ia mesmo até o fim com a coisa.
Agora eu pergunto: E se tivéssemos perpetrado a nossa "arte"? O que teria acontecido?
Mariguela era vivo na época, Fernando Gabeira, José Genoíno, José Dirceu e quase todos os malfadados e conhecidos nomes da guerrilha comunista estavam em plena atividade, assim como o traidor Capitão Carlos Lamarca, que aliás servia na AMAN nessa época.
Com a resposta, os senhores do poder e fora dele, que viveram nesse período e ainda estão por aí.
Ps.: O Wanderley foi reprovado, mas não levou a surra porque o pai estava ausente, tocando a obra em Minas Gerais. Eu "passei de ano", nas cascas... E levei uma boa surra por ter ido tão mal!
Fernando Lemos " 2004.
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