quinta-feira, 23 de setembro de 2010
MANIFESTO PELA DEMOCRACIA
Um grupo de juristas, intelectuais e personalidades brasileiras divulgou um manifesto em defesa da democracia e da liberdade de imprensa em face da radicalização que caracterizou as últimas semanas da campanha para as eleições de 3 de outubro.
O manifesto foi apresentado em São Paulo quatro dias depois dos duros ataques feitos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos meios de comunicação críticos ao seu Governo que alegam que o PT abusa do poder para se impor nas urnas.
"Hoje, no Brasil, os inconformados com a democracia representativa se organizam no governo para solapar o regime democrático", afirma o manifesto assinado, entre outros, pelo ex-ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, pelo ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer, e pelo arcebispo emérito de São Paulo, cardeal Paulo Evaristo Arns.
"É intolerável assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão aos direitos individuais", acrescenta o texto também assinado pelo ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Velloso, o poeta Ferreira Gullar e o ator Carlos Vereza.
Entre os apoiadores do documento, destaca-se o jurista e político Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, partido pelo qual exerceu o cargo de vice-prefeito de São Paulo.
"Acima dos políticos estão as instituições", assinala o documento. "É inaceitável que a militância partidária tenha transformado os órgãos da administração direta, empresas estatais e fundos de pensão em centros de produção de dossiês contra adversários políticos", diz o documento.
O texto também lamenta que Lula dedique várias horas do dia de seu mandato para fazer campanha política e que utilize nos comícios aos quais comparece uma linguagem incompatível com seu cargo. "Trata-se de uma manifestação descarada de abuso de poder político e de uso da máquina oficial em favor de uma candidatura", afirma o manifesto.
Em discurso que deu no sábado na cidade de Campinas (SP) durante um ato de campanha de Dilma, Lula criticou a imprensa e disse que alguns setores da mídia nacional "são uma vergonha". "Vamos derrotar jornais e revistas que se comportam como partidos políticos e não têm coragem de dizer que são partidos políticos e têm candidato", disse Lula, referindo-se aos veículos de imprensa que denunciam casos de corrupção em seu Governo.
Os autores do documento também questionam o fato do Governo estimular e financiar grupos que defendem abertamente restrições à liberdade de imprensa e que propõem mecanismos para submeter jornalistas a um controle social.
O PT e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) figuram entre os grupos que convocaram um ato político contra o que chamam de "golpismo" da imprensa, previsto para amanhã em São Paulo.
Os signatários do manifesto propõem uma mobilização de rejeição ao autoritarismo e aos que consideram que "o poder conquistado nas urnas ou a popularidade de um líder lhes confere licença para rasgar a Constituição e as leis".
A ÍNTEGRA DO "MANIFESTO EM DEFESA DA DEMOCRACIA"
"Em uma democracia, nenhum dos Poderes é soberano.
Soberana é a Constituição, pois é ela quem dá corpo e alma à soberania do povo.
Acima dos políticos estão as instituições, pilares do regime democrático. Hoje, no Brasil, os inconformados com a democracia representativa se organizam no governo para solapar o regime democrático.
É intolerável assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político, máquina de violação de sigilos e de agressão a direitos individuais.
É inaceitável que a militância partidária tenha convertido os órgãos da administração direta, empresas estatais e fundos de pensão em centros de produção de dossiês contra adversários políticos.
É lamentável que o Presidente esconda no governo que vemos o governo que não vemos, no qual as relações de compadrio e da fisiologia, quando não escandalosamente familiares, arbitram os altos interesses do país, negando-se a qualquer controle.
É inconcebível que uma das mais importantes democracias do mundo seja assombrada por uma forma de autoritarismo hipócrita, que, na certeza da impunidade, já não se preocupa mais nem mesmo em fingir honestidade.
É constrangedor que o Presidente da República não entenda que o seu cargo deve ser exercido em sua plenitude nas vinte e quatro horas do dia. Não há ''depois do expediente'' para um Chefe de Estado. É constrangedor também que ele não tenha a compostura de separar o homem de Estado do homem de partido, pondo-se a aviltar os seus adversários políticos com linguagem inaceitável, incompatível com o decoro do cargo, numa manifestação escancarada de abuso de poder político e de uso da máquina oficial em favor de uma candidatura. Ele não vê no ''outro'' um adversário que deve ser vencido segundo regras da Democracia , mas um inimigo que tem de ser eliminado.
É aviltante que o governo estimule e financie a ação de grupos que pedem abertamente restrições à liberdade de imprensa, propondo mecanismos autoritários de submissão de jornalistas e empresas de comunicação às determinações de um partido político e de seus interesses.
É repugnante que essa mesma máquina oficial de publicidade tenha sido mobilizada para reescrever a História, procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, com o fim da inflação, a democratização do crédito, a expansão da telefonia e outras transformações que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo.
É um insulto à República que o Poder Legislativo seja tratado como mera extensão do Executivo, explicitando o intento de encabrestar o Senado. É um escárnio que o mesmo Presidente lamente publicamente o fato de ter de se submeter às decisões do Poder Judiciário.
Cumpre-nos, pois, combater essa visão regressiva do processo político, que supõe que o poder conquistado nas urnas ou a popularidade de um líder lhe conferem licença para rasgar a Constituição e as leis. Propomos uma firme mobilização em favor de sua preservação, repudiando a ação daqueles que hoje usam de subterfúgios para solapá-las. É preciso brecar essa marcha para o autoritarismo.
Brasileiros ergam sua voz em defesa da Constituição, das instituições e da legalidade.
Não precisamos de soberanos com pretensões paternas, mas de democratas convictos."
(Grifos do autor da postagem)
Postado por
Fernando Lemos
às
21:53
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