***RUI BARBOSA***

***RUI BARBOSA***
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto." (Senado Federal, RJ. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3, 1914, p. 86)
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segunda-feira, 4 de maio de 2009

De noite, na Praça...

O casarão onde funcionava o jornal "A Lira" e a "Casa Modelo".  Triste fim para o Patrimônio Histórico da cidade.        Foto: Fernando Lemos

Essa me foi contada... Mas antes, um pouco de memória.

Final dos anos 60. A praça Oliveira Botelho era o ponto central dos boêmios, "políticos-filósofico-teóricos", revoltados, comentaristas mundanos da vida alheia, e principalmente; "técnicos de futebol". Quase todos movidos a muito álcool. Tínhamos ali uma gama variada e razoável de bares, lanchonetes e restaurantes funcionando a pleno vapor: Em frente ao Cine Odeon (hoje Igreja Evangélica), o sofisticado Bar Atlântico ("Dª Dodô & Murilo"), com serviço "a La Carte", garçons a caráter e tudo o mais. Era o "point" da época. Adiante, a Lanchonete Mundial (Hermínio e Joaquim, dois portuguesinhos simpáticos e tolerantes). Na mesma calçada, o Bar do Ponto ("Bananinhas") com um bom bar/restaurante em cima e sinuca no subsolo (onde o jogo de cartas e dados - "trolinho" - corria solto depois da meia-noite). Do outro lado, à esquerda, a Lanchonete Princesa do Vale (Vítor, outro português de boa safra, hoje na padaria do Lavapés, quase em frente à Santa Casa) onde se comia um bife a cavalo inigualável e uma omelete fantástica! Ao lado, pegadinho, o Bar Galo Verde (ponto dos cadetes) e a Pastelaria do Minoru Komori (a preferida do Roberto "To Puto" Vasconcellos), que servia uns pasteizinhos pequenos; deliciosos de se comer tomando o "Guaraná Favorito", de fabricação local e infelizmente não mais existente; ambos. Mais adiante, ao lado do Cine Vitória, o Bar Meu Cantinho (Ailton) e alguns passos à frente, o Bar e Restaurante Primor ("Seu Tiãozinho", que adora uma briga de galos " era criador mesmo!). Isso sem contar os barzinhos da Rodoviária, que forneciam fregueses já "embalados" para esses bares todos. Então, só na praça, cheia de vida, filosofia, política, futebol e de palavras ao vento, eram sete bares/restaurantes pra satisfazer a sede dos cervejeiros, pensadores e pingaiadas da madrugada. Sem contar a "Bombonière Vitória" do "Seu" Hely Balieiro, que não vendia alcoólicos, mas era importante na época do calor pra refrescar a turma do sorvete Kibom. A coisa ficava "quente" sempre depois da meia noite, quando o miolo da praça ficava meio vazio e o pessoal se concentrava nos copos... Mas vamos ao "causo" que assim me foi contado:

"Ele veio chegando das bandas da Dodô, já meio torto, com aquele olhar de quem enxerga mas não vê, com a boca meio mole e falando coisas que não se compreendia bem. Parou em frente à Princesa do Vale e fez sinal de positivo pra turma que bebia por ali. Alguém então lançou o desafio: Duas voltas em torno da Praça, passando por trás da Igreja, naquela bicicleta velha que tava estacionada em frente... Mas tinha que ser "pelado ". Nu em pelo! Nem meia podia! Prêmio: duas cervejas. Uma pra cada volta. Topou. Entrou na lanchonete, foi até o fundo, perto do banheiro e tirou a roupa. Todinha. Apoiando-se na parede e sob o olhar espantado de alguns e sorridente de outros, perguntou: "É naquele "calhau" ali que tenho que andar?" Diante da resposta positiva, chegou na porta do estabelecimento, olhou pros lados (se é que tava vendo alguma coisa) e juntou firme na velha bicicleta preta. Sentado, ajeitou as "coisas" no selim e deu a primeira pedalada. A "preta" rangeu, fez que ia pra esquerda, voltou pra direita, resvalou no meio fio e partiu. Devagar, a princípio. Ele se levantou do selim e pedalou mais forte. Embalou. Quando sentou de novo, ouvimos um urro de dor... Deve ter sentado em cima "das coisas"... Nessa altura, o barulho que a turba fazia no local da partida levou os freqüentadores dos outros bares a sair pra ver o que acontecia. Quando ele passou em frente ao "Meu Cantinho" e pelo "Primor", foi uma gritaria só! Quase erra o caminho e desce pro Lavapés, mas conseguiu virar por trás da Igreja que impedia a visão do Colégio João Maia. Ele sumiu das nossas vistas. De repente...Um barulho de ferros se arrastando pelo chão... Apreensão geral... E eis que surge o desafiado empurrando a "magrela". Montou de novo e continuou. Quase que desce pra Rodoviária, mas com muito jeito (apesar de subir na calçada) conseguiu botar prumo no rumo. Em frente ao Bar do Ponto, até a turma do jogo já tinha subido pra ver o que se passava e o saudaram com palmas e vaias... "Êta bunda feia, sô!" Gritou alguém... Ele não deu importância (se é que ouviu) e tocou em frente. Na Princesa do Vale, alguém improvisou uma "bandeirada da chegada" com a camisa dele mesmo. A algazarra era enorme! Mas ele fez com a mão o sinal de "um" no dedo, e prosseguiu naquela coisa que chamavam de bicicleta. Nessa altura, tava tudo mundo nas portas dos bares, fazendo uma folia só... Delírio geral! Novamente ele fez a volta na igreja e novamente, na zona morta de visão ouviu-se barulho de ferro com cimento arrastando pelo chão. Apareceu com a cara meio avermelhada, e quando chegou ao que seria o final do desafio levantou a mão e mostrou com os dedos o número três! O desafiante não se manifestou, mas ele seguiu em frente mesmo assim. Deu a terceira volta, com barulho de ferro e cimento de novo atrás da igreja, e ao se aproximar da "linha de chegada", recebeu a "camisada" final. Tentou parar mas o que se ouviu foi a ranger de ferro com ferro... E pra parar, subiu na calçada da praça. A maioria dos que assistiam, excitados ao inusitado fato; fizeram uma barulheira danada e ele foi carregado pra lanchonete. Escorria-lhe um filete de sangue pela testa, tinha ralado o nariz, os dedos e parte do braço, além de um pequeno corte no joelho. Não pronunciou uma única palavra. Calmo e cambaleante entrou na lanchonete, foi ao banheiro se lavou na torneira e vestiu as roupas. A lanchonete tava cheia, lotada! O pessoal dos outros bares veio ver e cumprimentar o sujeito. Outros já criticavam, apesar de bêbados também. Quando ele surgiu na porta do banheiro, foi festejado e aclamado como herói. Quebrou o mutismo: "Desce uma super gelada, Vítor! E bota na conta dele" disse apontando pro desafiante, que logo chiou: "Foi combinado duas... A terceira foi por sua conta!". Sem discutir, pensou um pouquinho, limpou a ponta do nariz que escorria um suor avermelhado e perguntou: "Só queria saber quem foi o corno que colocou o muro do João Maia no meio da rua... sacanagem, pô!"
A terceira cerveja (e todas as "outras" que ele conseguiu beber) ficou por conta do Vítor. Afinal... Ele conseguiu trazer todo mundo pra sua lanchonete. Inclusive os donos dos outros bares, que fecharam as portas e terminaram a noitada na Princesa do Vale."

Quem me contou, merece crédito. Pediu pra não citar nomes por que o "atleta" ainda está entre nós.

Fernando Lemos - 09/2005
Publicado no "Ponte Velha"

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