***RUI BARBOSA***

***RUI BARBOSA***
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto." (Senado Federal, RJ. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3, 1914, p. 86)
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terça-feira, 5 de maio de 2009

O Baile (ou...fragmentos de uma vida)

Uma história real...

Não me lembro exatamente a data, nem o porque, nem como. Mas me parece o pedaço cortado de um grande filme que foi se deteriorando com o tempo. E ficou só esse fragmento em bom estado. E ficou pra sempre! O resto do rolo perdeu-se...
Sei que foi à noite, no grande salão de festas do então Grupo Escolar "Olavo Bilac" no final dos anos 50. Eu vestia terno preto, meias branca, gravata borboleta e reluzentes sapatos de verniz preto. A ponta de um lençinho branco se destacava no bolso de cima do paletó. Devia estar com uns nove ou dez anos. Ela estava linda (como sempre foi) com um vestido de baile também comprado especialmente para a ocasião. A delicada luvinha rendada que usava, era fina o suficiente a não me impedir de sentir as vibrações de sua mão na minha. Regulávamos na idade. Seus olhinhos caramelados brilhavam como nunca. O salão, todo decorado e muito bem iluminado, transmitia a atmosfera de uma grande festa! As mesas arrumadas com toalhas brancas, arranjos florais, taças e copos cintilantes rodeavam a pista de dança. Enorme pista de dança. Do lado de fora, braços dados e em fila, aguardávamos o sinal para entrar. Éramos o "casal" principal e entraríamos puxando os outros participantes. Também não sei porque éramos "o par da noite". Ao sinal, fomos adentrando no recinto, lotado, que nos recebeu de pé e com aplausos exageradamente longos. Todos vestidos em traje de gala. Aquilo devia ter sido ensaiado, mas... não me lembro disso. Os outros pares, rodearam também o salão e nós dois ficamos sós. Bem no meio da pista. Olhávamos firmes nos olhos um do outro, com leves desvios para o chão. Senti o sapato novo me mordendo os pés, e um frio na barriga quando a orquestra começou a valsa. E bailamos. Por um bom tempo, bailamos sozinhos. Nessa hora, o chão era o foco de nossos olhos. Era o medo de errar o passo, de pisar no pé do outro. De dar "vexame". Então, na segunda valsa e aos poucos, os outros pares foram nos fazendo companhia. Aos poucos, nos misturamos aos outros, formando um só grupo de dança e desaparecendo no meio de todos. Novamente nossos olhos se cruzaram. Ficaram por instantes fixos. Depois, fomos nos explorando facialmente. Não sei o que ela viu, mas eu me recordo como se fosse agora, o que vi. Um sorriso encantadoramente suave. Os cabelos encaracolados, porém cuidadosamente arrumados e com fitas que lhes caiam por sobre os ombros, combinando com o vestido finamente rendado. Sua face ruborizada irradiava uma alegria contagiante e isso me deixou menos nervoso e apreensivo. Naquele breve momento, o mundo sumiu; acabou. Éramos só os dois a valsar, e valsar e valsar.
De repente... Pára a música! Voltamos à realidade. Um mundo de gente nos cercava e aplaudia. Nos separando; fizemos o mesmo. Aplaudimo-nos e aos outros junto com o resto.
Quem "cerimoniava" a festa era o Aloísio "Simplício" Braz. E eis que, para nossa surpresa, ele nos chama ao palco (isso não foi ensaiado, com certeza!). Nos entreolhamos, demos as mãos e sob alguns tímidos aplausos, subimos pela entrada que tinha à esquerda. Passamos pela orquestra e ficamos frente a frente com aquele sujeito todo vestido de branco, com um baita microfone na mão. Ele se dobra todo e pergunta pra ela, de sopetão: "Você é filha de quem?"... "Meu pai é o "seu" Ruy de Almeida Braga..." Aplausos comedidos. "Seu" Ruy se levanta na mesa. Muitos aplausos! Vira-se pra mim, que já suava por onde vocês nem imaginam, e faz a mesma pergunta. Pensativo; olho para o microfone como se fosse uma arma pronta para o disparo e respondo com firmeza: "Sou filho do meu pai, oras!". A platéia vem abaixo em risadas. Ele insiste: "Mas quem é seu pai, minino?!"...Silêncio total... "Meu pai... (aponto pra mesa dele) é aquele lá ó... O "seu" Lemos!". Ele se levanta meio sem graça... Risos e aplausos vem do salão lotado como uma onda de calor por sobre mim. Atônito, perdido, envergonhado, querendo fugir... Sinto uma mão rendada segurar forte a minha e uma voz suave ao ouvido dizer "Muito bem... Você alegrou a festa!!!". E sorrindo, me deu um beijo no rosto. E de mais não me lembro... O filme foi cortado aí. Deteriorou-se no tempo das memórias. Foi descartado. Não sei porque, mas foi!
Apesar de termos continuado morando na mesma cidade, não tenho mais nenhuma lembrança dela além dessa. E também não sabia o destino que havia tomado. Não é estranho isso?
Soube em junho passado, quando meu noticiarista espontâneo, o Júlio Miravetti, no meio da Ponte Velha, me disse que uma moça havia falecido ao cair de um dos andares mais altos do prédio da APM. Ao pronunciar o nome Sonia Elizabeth, minha memória foi imediatamente ao arquivo do fragmento do "Baile" e senti o chão sumir. Confirmei com ele a paternidade dela! Era ela mesmo. A filha do "Seu" Ruy Braga...
Voltei estupefato pro trabalho, e iniciei mentalmente essa crônica. Só a terminei hoje. Precisei desse tempo todo, para entender o porque de tudo isso. Durante toda a minha vida, poucas vezes me lembrei dela e disso. Mas lembrava... Em momento algum fiz trabalho de pesquisa ou investiguei o que de fato aconteceu naquele dia de junho, pois a mídia, quer escrita, falada ou televisiva, não noticiou o acontecido. E eu nem queria saber. Só entender, porque esse pedaço de filme ficou gravado, indelével no meu HD. Hoje sei...
Você, menina dos cabelos de mel, foi meu primeiro amor! E um dia, voltaremos a bailar, seja em que dimensão for...


Fernando Lemos " Jan/2007

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