***RUI BARBOSA***

***RUI BARBOSA***
"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto." (Senado Federal, RJ. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3, 1914, p. 86)
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sábado, 16 de maio de 2009

Rio de Janeiro – Urgente!!!

Foto: Site Resende Fotos - Para ampliar: Clique na foto
Em meados dos anos cinqüenta, os meios de transporte entre Resende, Rio e S.Paulo eram trem ou carro. Como quase ninguém tinha carro e trem demorava muito, o Henrique (Didinho) Andréa, juntamente com seu amigo e sócio Isaac Politi, montaram o “Expresso Anita”. Empresa para transporte de passageiros com linha regular diária entre as duas cidades e adjacências. Era uma coisa pequena. Frota de uns dez, doze veículos. Não eram ônibus. Eram carros comuns, todos importados. Tinha Ford, Chevrolet, Cadillac, Studbacker, Mercury, Oldsmobile, Pontiac, Plymouth...coisas assim. Todos enormes e pretos, cheios de detalhes cromados, pneus banda branca, pesadões, mas com muito conforto para os passageiros, além de motores potentíssimos. Um bichão desses na estrada era como um tanque de guerra. Só que em altíssimas velocidades... E tinham os motoristas (cada um escolhia um carro e era responsável por ele). Dentre eles, um meio malucão de apelido “Alemão” (Walter Pfaff). Tipo falastrão, alourado, voz grave, sorriso largo, alto, magro, olhos muito azuis, nariz avantajado. Excelente profissional porque inclusive entendia de mecânica e era um grande praça. Um dos preferidos da empresa. Todo mundo gostava dele.
Um dia, numa das viagens do “Alemão” ao Rio, a coisa não deu muito certo. Furou pneu, motor falhou, pane elétrica, chuva forte, enfim, atrasou... Dentre os passageiros estava um sujeito muito importante na hierarquia da maior empresa de Resende na época. Era o contador da Comº e Indª Luiz Rocha. A empresa era realmente uma potência. Em chegando de volta, o tal sujeito importante reclamou muito do motorista (apesar do Alemão ter ido e voltado encharcado, fedendo e imundo de graxa e lama pra dar conta da empreitada). Reclamação feita... Bronca da empresa no Alemão!!! E que bronca... Quem conheceu o Didinho sabe como era. Só faltava espancar...
Não existe nesse mundão de Deus, classe mais unida e sacana que a de motoristas. Depois da bronca, o Alemão, injuriado e já vermelho de raiva, queria porque queria saber qual o passageiro que reclamou. Seus colegas de ofício, pra ver o circo pegar fogo, entregaram o tal contador da Luiz Rocha. O Alemão apenas resmungou alguma coisa ininteligível e foi pra casa. Passados alguns dias, eis que surge um único passageiro para o Rio. Era o contador. O motorista escalado fingiu um mal estar (combinado entre eles) e escalaram o Alemão pra levar o homem. Antes de partir, recebeu recomendações de “por favor, vê se não atrasa e nem se suja que o cara é importante”. O Alemão só dizia... “Não vai atrasar de jeito nenhum, fiquem sossegados... E nem vou me sujar... Deixa comigo!”.
Vale um adendo: A garagem e ponto de partida do Expresso Anita era onde hoje tem a casa de móveis do Bosco, ao lado da Revistaria Agulhas Negras na Alfredo Whately, que era mão dupla na ocasião. Para entrar na Dutra (novinha em folha e de mão dupla também), saindo da garagem, entrava-se na Luiz Pistarini (Unibanco), atravessava-se a linha férrea ao final da rua, que tinha uma cancela e sinal pra avisar que vinha trem (tem a subidinha lá até hoje) e já caía direto na Rodovia. Pra direita Rio, esquerda, S.Paulo.
Pois bem... Na hora da partida, o tal sujeito importante ainda perguntou, na frente do Alemão se não tinha outro motorista... Ele tinha compromisso importante, não podia atrasar e coisa e tal... O Alemão só olhava e ficava vermelho... Chegou a hora de partir. Motorista ao volante, passageiro no banco de trás... O Alemão engrenou uma primeira, saiu cantando pneu! E deu um grito: “Hoje eu quero morrer!!!” Quando entrou na Luiz Pistarini, já estava passando dos 100km por hora... Passou pela linha do trem sem tocar nos trilhos (o carro voou como uma moto de motocross). Quando bateu no chão do outro lado (o barulho foi de assustar mesmo!!!), o perito Alemão já entrou com o volante pra direita e, literalmente, caiu na Dutra deixando um poeirão danado pra trás. O pessoal que tava no posto do “seu” Sabido (em frente ao atual Sul Americano) correu pra ver se era acidente e nem viram o carro preto que já subia à toda para o Paraíso. O importante passageiro gritou alguma coisa, sem sucesso... O Alemão só respondia com grunhidos tipo... Hummmm, Hummmm... Isso quando não ofendia a mãe do pobre contador. De vez em quando botava a cara pra fora e gritava ao vento que lhe batia no rosto, que ia morrer de qualquer jeito. E tome de acelerador no fundo. Freio era coisa que não tinha serventia naquele dia.
Normalmente fazia-se uma parada antes da descida da Serra das Araras. Nesse dia não teve parada... Quando dava, o passageiro tentava ver a paisagem pela janela. Mas mal ele se encostava de um lado, o Alemão dava um galeio no carro que jogava o coitado para a outra janela. Desceram a serra como loucos... Cada curva o Alemão soltava um impropério e o passageiro apenas choramingava... “por favor, tenho família, filhos pra criar...” e mais não dizia porque outra curva vinha, os pneus gritavam e ele se encolhia novamente. Na baixada, passaram como se fosse um avião prestes a levantar vôo... O Alemão repetia sua oração: “Hoje eu quero morrer!!!” com a cara pra fora do carro, comendo ar. Entraram na cidade no mesmo embalo e finalmente chegaram na Praça Mauá. O Alemão desceu, ergueu os braços e berrou: “E tem a volta... Vai dar pra morrer hoje ainda!!!” O importante passageiro-contador não desceu de imediato, mas algum tempo depois. Saiu com a pasta de couro tentando tapar as calças borradas de marrom, todo mijado e fedendo coisa que preste. O Alemão, apontando o dedo pro sujeito lhe disse com aquele sorriso largo que mostrava todos os dentes: “A volta é as l5:30 tá bom? Vê se não atrasa, heim!!! Mas você eu espero até às 16, viu?” Lavou o carro com alegria (por dentro, principalmente), mas... voltou sozinho, bem devagar, fumando os cigarros que economizou na ida.
O Alemão perdeu o emprego (mas voltou tempos depois). O contador também. Pra sempre. E quando perguntavam pro Alemão o que tinha acontecido ele dizia: “Sei lá, parece que o sujeito chegou na tal da reunião meio sujo e fedido...” E soltava uma bela gargalhada!!!

Ps.: Quem me contou foi colega de trabalho do Alemão no Expresso Anita na época do acontecido, e garantiu que o fato é verdadeiro.

©Fernando Lemos – Dez/2006.

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